Ao longo de nossa história democrática, intensificada a partir do processo de redemocratização nacional em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves à Presidência da República, pudemos observar fenômeno recorrente a cada quatro anos em Nepomuceno. Trata-se da eleição de líderes carismáticos, em especial servidores públicos, que “ajudaram muita gente”, conforme ainda se pode ouvir por aí.
Trata-se de sintoma da falência de nossas instituições municipais e neste breve artigo tento explicar o porquê.
Vamos pensar em um caso hipotético. Ressalto que se trata apenas de exercício de imaginação, apesar das possíveis verossimilhanças que o leitor poderá identificar. Imaginem certo servidor público municipal, efetivo da área da saúde que, no desempenho de suas atribuições, conforme edital de concurso a se que submetera e foi aprovado, é responsável pelo cadastro e encaminhamento de pedidos de exames e diagnósticos dos cidadãos junto à Secretaria Municipal de Saúde.
Ora, este servidor desempenha as funções para as quais foi designado e que justificam sua remuneração através da destinação dos impostos recolhidos pelos cidadãos. Em outras palavras, pagamos para que o servidor exerça tais atividades. Em síntese, é este o contrato social implícito nesta relação trabalhista. Correto?
Infelizmente, distorcem-se as relações políticas e sociais de modo a desestabilizar nossas instituições democráticas. Vou explicar. Façam um breve exercício de memória, agora sim concreto: dos atuais onze vereadores da Câmara Municipal de Nepomuceno, quantos exerceram algum cargo afeto à saúde municipal? Consigo me recordar de pelo menos de três...
É justamente aí que reside o problema: a falta de limites claros da separação entre público e privado. Subverte-se a ordem do contrato social: o servidor que exerce suas obrigações e deveres laborais passa a ser visto como prestador de benesses e favores aos desamparados – obtendo, assim, ganhos políticos. “Voto na Maria pois esta me garantiu certa consulta” ou “votei em Joaquim pois foi ele quem me deu tal medicamento”.
Não se trata de fenômeno singular observado somente em Nepomuceno. Muito antes pelo contrato, tal tipo de distorção das relações políticas e sociais foi brilhantemente ensaiada por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, seu clássico de 1936. Diz-nos o autor que este traço personalista é responsável por elementos característicos do Estado Brasileiro: clientelismo e corporativismo. Apegamo-nos a “heróis” prestadores de favores e não às ideais presentes no contrato social, firmadas da nossa Carta Magna (Constituição Federal de 1988), que estabelecem nossos direitos e deveres frente ao Poder Público.
Em entrevista, na sexta-feira última (13/05), à rádio Liberdade FM apontei a importância de revisão das crenças, valores e princípios de nossa sociedade nepomucenense – separando-se o joio do trigo. Conservar as instituições que contribuíram e contribuem para o avanço de nossa comunidade e abandonar (substituir) os impeditivos ao desenvolvimento. Só assim poderemos construir uma comunidade que promova o crescimento econômico sustentável, abarcando todas as faixas de renda de nossa sociedade.
O personalismo do homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda é um dos valores de nossa sociedade que tenho buscado contribuir para extinguirmos. Por vezes, talvez passe ao largo meu objetivo em publicar nesta e em outras redes sociais dados sobre o município, bem como direitos e deveres do cidadão.
Em síntese e concluindo, podemos e temos de repensar nosso modelo de sociedade. A Prefeitura Municipal de Nepomuceno, seus líderes políticos e servidores, estendendo-se ao Poder Legislativo, não são filantropos que concedem benesses ao povo. Tão somente cumprem (quando muito) seus deveres pelo ordenamento jurídico e é nosso direito, enquanto cidadãos, cobrar, apontar, criticar e contribuir para melhorias do serviço público – sem jamais personalizar.
O Poder Público serve aos cidadãos, não o contrário.
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